Existe, no estado do Rio de Janeiro, divisa com Minas Gerais, um vilarejo que vive de música. Não sei se é o único no Brasil, mas com certeza é um caso digno de nota. De belas notas musicais.
O lugar se chama Conservatória, não chega a ser um município, é pouco mais que um povoado em torno de duas ruas, a “rua que sobe” e a “rua que desce”. Mas é muito mais que isso, porque vive de música.
Poderia dizer que é um lugar parado no tempo, e seria verdade, mas apenas isso não seria motivo de tanto espanto porque, procurando bem, há cidades tão paradas no tempo quanto Conservatória, com arquitetura colonial, jeito de interior, espírito de província. O que espanta, sim, é o modo como tudo gira em torno da música na pequenina Conservatória.
E, já que estamos falando de um lugar parado no tempo, é claro que a música em questão não deve ser nenhum pop moderno, nenhuma corrente pós, ultra, heavy ou trash metal, nem mesmo qualquer das formas de rock ’n’ roll nacional ou importado. Se existe um lugar que nunca ouviu falar de Lady Gaga e outras contemporaneidades, este lugar só pode ser Conservatória. Retrocedamos no tempo. Passemos pelo Tropicalismo, pela Bossa Nova, cheguemos às velhas modinhas que nossos avôs cantavam ouvindo o rádio, nas praças ou nas esquinas, nas noites de luar, ao sereno.
Cheguemos à esquecida tradição das serenatas, que só vemos em filmes. Só em filmes? Em filmes e em Conservatória, reduto último de gente romântica.
Nomes como Pixinguinha, Vicente Celestino, Francisco Alves e Sílvio Caldas são os que continuam vivos nas ruas de Conservatória.
As ruas de Conservatória... É bem provável que, na rua onde moras, ó leitor, as casas e os prédios sejam identificados por números. Nas ruas de Conservatória (a rua que sobe, a que desce e mais alguns fiapos de ruas que ligam uma à outra ou se estendem para fora), as casas não têm números, mas nomes de canções. “Chão de Estrelas”, “Luar do Sertão”, “Carinhoso”, “Maringá”. Imaginem os diálogos possíveis. “Moro no Luar do Sertão”. “Darei um pulo até o Chão de Estrelas”. Uma delícia, não?
Cheguei a Conservatória de ônibus, mas talvez tivesse sido melhor ainda chegar de trem, um trem como o que algum dia foi puxado pela locomotiva conservada orgulhosamente ao lado da estação. Aproveitem a dica, ó fluminenses, e levem o trem novamente até Conservatória. Ou, pensando bem, não sei, não; deixem Conservatória do jeito que está, não mexam naquela caixinha de música.
Quando a noite chegar, façam como todos no vilarejo e se reúnam em torno de uma roda de violões. Façam como fiz. Relevem a possibilidade de não conhecer quase nenhuma das músicas que serão cantadas, elas se tornarão mais familiares à medida que a noite avançar. Sorriam ante a descoberta de que são, provavelmente, os mais jovens de toda a cidade, crianças entre um bando de adoráveis velhinhos. Encantem-se com a descoberta de que estes velhinhos talvez não sejam o conjunto mais harmônico que já ouviram mas são e serão o conjunto mais apaixonado que viram durante muito tempo. As canções são íntimas deles e eles são eternos namorados. E, quando a serenata terminar, voltem para a cama flanando, quase sem perceber que estão assobiando. Ou cantarolando. Afinal, não importa o tom da voz, importa é o tom do coração.