O território da Mongólia histórica é dividido hoje entre a Mongólia Exterior (República da Mongólia), independente, e a Mongólia Interior, uma província autônoma da China. Embora a noção que a maioria de nós tem da Mongólia seja a do país independente, ambos os lados da fronteira compartilham muito da cultura e dos traços étnicos - mal comparando, assim como a cultura gaúcha se estende pelos pampas de Brasil, Uruguai e Argentina.
A língua mongol é falada nas duas Mongólias, embora seja minoria nas cidades do lado chinês. Curiosamente, no país do norte, por influência soviética, ela é escrita com o alfabeto cirílico, mas manteve o alfabeto mongol tradicional na parte chinesa. E só esse incrível alfabeto já é uma atração à parte.
Mas a atração maior é mesmo os campos, o "pampa mongol" onde se encontram famílias vivendo de acordo com os mesmos costumes há milhares de anos (verdade que algumas modernidades foram introduzidas, como motos e caminhões, mas outros aspectos, como o "banheiro natural", continuam surpreendentemente comuns).
Na Mongólia Interior, visitamos um acampamento mongol na região de Hutenxile. A paisagem do lugar é fascinante, mas creio que ainda mais fascinante é o contato com a gente simples que vive lá. Verdade que ficamos num acampamento para turistas (visitado principalmente por chineses, creio que éramos os únicos estrangeiros). Mas a cultura mongol está por toda parte. Somos recebidos, segundo a tradição, por braços que estendem lenços coloridos em sinal de boas-vindas. Oferecem-nos a aguardente local, que é indelicado recusar, e mais indelicado ainda deixar de fazer a pequena cerimônia: colocar o dedo anular na bebida e em seguida agitá-lo, oferecendo as primeiras gotas para divindades do céu, para divindades da terra e para os ancestrais - nessa ordem. Vemos alguns aobao - pilhas de pedras simbólicas do espiritualismo mongol - e adicionamos algumas pedras a eles.
Andamos a cavalo, num passeio pelo campo. O cavalo mongol é provavelmente o orgulho maior desse povo e, treinado à maneira deles, ignora solenemente nossos comandos ocidentais.
Somos levados, pela senhora que nos acompanhou no passeio a cavalo, ao interior da sua casa e recebidos dentro de seu próprio quarto. Comunicamo-nos por mímicas e olhares. Ela nos oferece pedaços de melancia. Aceitamos agradecidos mas, no quarto dela, não sabemos o que fazer com as sementes... É definitivamente insondável a etiqueta das refeições nesse lado do mundo. Na dúvida, engolimos as sementes de melancia, imaginando que esse pode ser um gesto natural mongol - ou que a senhora deve achar incrivelmente estranhos esses ocidentais que comem sementes. Depois, é-nos oferecida uma bebida misteriosa que acaba por ser simplesmente leite (de égua?) com chá.
Ao mesmo tempo em que vivenciamos tudo isso, somos também atração: alguns mongóis e chineses pedem para tirar fotos ao nosso lado; sorrimos e posamos para as câmeras, pedindo apenas fotos com eles em troca. De repente, pedem para ver nosso dinheiro, e em pouco tempo causamos um alvoroço: nossas notas de reais são cobiçadas e disputadas ansiosamente pelos mongóis.
À noite, somos avisados de que haverá uma festa com dança em volta da fogueira. Fico esperando uma apresentação folclórica mas, em vez disso, organizam uma mini-boate ao ar livre, com luzes e música bate-estaca, sob o olhar desconfiado do retrato gigante de Gêngis Khan a um canto. O inusitado chega ao máximo quando, entre as músicas, começam a tocar um funk carioca: "Ui! Adoro quando ela sobe e desce!..." Encolhemo-nos, torcendo para que, em vez de uma homenagem aos visitantes brasileiros, seja apenas uma coincidência e que eles não tenham ideia do que significa aquela letra.
Mas, afinal, a festa não dura muito, e somos liberados para uma noite de sono única numa tenda sob o céu estrelado dos campos mongóis. Noite que parece pequena para assimilar as sensações de um dia como aquele.
Mais inusitado que funk carioca na Mongolia não há! Que aventura interessante!
ResponderExcluirDefinitivamente, é das últimas coisas que eu esperaria! mas viajar é se surpreender, sempre...
ResponderExcluirOs banheiros em estilo turco já me causam pavor, então nem fale dos banheiros naturais, que pânico!
ResponderExcluirA cultura mongol é muito interessante, o Dalai Lama é um ser estranho na opinião deles, mas o Gêngis Khan é alguém idolatrado. Muito interessante!
A parte mais complicada da viagem, no meu sentimento, foi a alimentação. Definitivamente a China e a Mongólia Interior não é lugar para vegetarianos.