sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Com uma lhama na cabeça

Essa história já foi contada outras vezes antes de mim, inclusive pelo Prêmio Nobel Mario Vargas Llosa.
Acontece que uma das praças mais imponentes de Lima, no Peru, é a Plaza San Martín. Seu epicentro é uma estátua equestre do homenageado, considerado figura decisiva nas lutas pela independência do país. O monumento é cheio de alegorias; uma delas é a figura clássica de uma mulher que representa a liberdade. Ela ostenta um elmo e, sobre o elmo, uma lhama.
Uma lhama!
Por mais que lhamas sejam relativamente comuns no Peru, convenhamos que não seria esperada a estátua de uma mulher com uma lhama na cabeça. A história conta que o idealizador do monumento teria passado instruções escritas para o escultor pedindo que colocasse uma chama (llama, em espanhol) simbólica sobre a cabeça da estátua. O pedido teria sido mal interpretado, com a chama virando uma lhama (também llama, em espanhol) na obra executada pelo escultor.
Se non è vero...
Há quem diga que essa história é apenas uma anedota que menospreza excessivamente a capacidade do escultor de entender uma instrução (ou de desconfiar dela e procurar confirmá-la). O que está representado no monumento seriam elementos do escudo de armas do Peru, incluindo a lhama.
Porém, o animal no escudo do Peru é uma vicunha e o representado no monumento é definitivamente uma lhama. Lhamas e vicunhas não deixam de ser parentes, mas são animais diferentes. Assim, parece que nenhuma contorção que se dê à história exime completamente o artista do erro. Mas não importa: o causo é curioso e ajuda a chamar a atenção para a praça que, sem dúvida, fica muito mais divertida com a pequena lhama sentada gaiatamente na cabeça da imponente estátua.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Queijos e cheiros

Um de meus prazeres quando viajo é andar pelos mercados atrás de produtos diferentes dos que encontro normalmente na minha cidade. Qualquer supermercado é um mundo a ser explorado; e se houver um mercado daqueles bem tradicionais que possa ser visitado, melhor ainda. Algumas descobertas interessantes foram feitas assim. Cogumelos, queijos, presunto, azeite, especiarias, frutas, doces, chás e vinhos são produtos que me chamam a atenção, para dizer o mínimo, Às vezes fico angustiado porque levar muitos desses itens para casa é simplesmente impraticável. O que não me impede de namorar as bancas de mercados e assemelhados!
O mercado da Boqueria, em Barcelona. A Rue Mouffetard, em Paris (aquela de uma foto do Cartier-Bresson). O Ver-o-Peso, em Belém. O Grand Bazaar e o Bazar das Especiarias, em Istambul. São templos clássicos dedicados a compras, especialmente a compras de comidas e seus ingredientes, e parada quase obrigatória para quem visita alguma dessas cidades. E há muitos outros, claro: lembro de comprar figos e trufas na Croácia; queijo e mais trufas na Itália; chás na China; temperos na Índia; e por aí vai...
Bem, acontece que, enquanto alguns itens podem ser transportados e armazenados com relativa facilidade (como pacotes de chá, pimenta ou cogumelos secos), outros têm uma logística mais complicada por pedirem refrigeração ou possuírem um curto prazo de validade - como é especialmente o caso da maioria dos queijos e dos cogumelos frescos. Ó ironia, queijos e cogumelos são dois dos produtos que mais chamam a atenção minha e da Renata em nossas viagens!
O ideal é estar hospedado em algum lugar que tenha uma geladeira e, se possível, cozinha. Dessa forma, podemos nos dar ao luxo de fazer a feira nos mercados e já consumir em seguida os produtos que compramos, quase como se fôssemos locais.
Claro que nem sempre temos uma cozinha à disposição, então acabamos abrindo mão de comprar certas coisas ou simplesmente compramos e guardamos até a próxima ocasião em que será possível aproveitá-las.
O problema é que é relativamente comum estarmos hospedados nalgum lugar que não tenha geladeira nem frigobar... Aí surge o verdadeiro dilema. O sensato seria abrir mão de comprar coisas como queijo e iogurte que não fossem estritamente para consumo imediato - mas quem disse que sou sempre uma pessoa sensata?
Descobri uma vantagem de viajar para lugares como Islândia ou Dinamarca no inverno: com o frio que faz, pode-se simplesmente deixar alguma coisa do lado de fora da janela para se ter uma perfeita refrigeração natural! Prático e funcional, embora às vezes acabássemos colocando um amontoado de coisas na janela, formando uma pequena bagunça na fachada do prédio que terminamos chamando carinhosamente de "nossa favela"...
Então, certa feita, estávamos em Barcelona; visitamos a Boqueria, que é definitivamente um mercado fantástico, e saímos de lá com queijo e uns tantos cogumelos. No dia seguinte, rumamos para Andorra, o pequeno país encravado nos Pirineus. Estávamos contando com uma geladeira no quarto do hotel, mas nada feito! E estávamos na primavera... Por mais que o país seja montanhoso (de fato, estava nevando em algumas partes), na capital a temperatura era amena, o que inviabilizava a "favelinha" na janela. "Azar", pensei, "essas compras precisam durar alguns dias"... Largamo-nas no quarto enquanto andávamos pela cidade. Ao regressar, à noite, minha nossa! O cheiro de queijo era indisfarçável! Abri a janela para que entrasse ar, embrulhei tudo da melhor forma possível e, para o dia seguinte, guardei o queijo na gaveta mais fechada. Mas não houve muito jeito de evitar que aquele cheiro tomasse conta do ambiente... Ficávamos pensando na pena que seria se o queijo não durasse mais uns dias (pois sabíamos com certeza que, mais para a frente, teríamos cozinha e geladeira à disposição) e também imaginávamos a cara que a camareira deveria fazer cada vez que entrava no nosso quarto!
Seguimos caminho, carregando queijo e cogumelos para Nice. Na chegada, mais uma decepção: o novo quarto também não tinha frigobar... Torcíamos para que a temperatura caísse e nos ajudasse a conservar nossas compras... Mas não teve jeito. O queijo (e o quarto) fedia mais do que nunca, e até os cogumelos começavam a mostrar o quanto estavam sofrendo... É terrível admitir, mas acabamos obrigados a descartar boa parte do queijo. Parte dos cogumelos seguiu o mesmo caminho. Pelo menos alguns se salvaram e resistiram até nossa parada seguinte, onde finalmente tínhamos geladeira e cozinha e pudemos degustá-los como mereciam. E como mereciam!