sábado, 10 de maio de 2014

Pé na Tábua, a Corrida de Calhambeques


por Eduardo Trindade e Renata Teixeira

Quando queremos dizer “acelera!”, “mais rápido!”, “depressa!”, temos uma expressão bem conhecida: “pé na tábua!” O que poucos imaginam – mas que nós, entusiastas de carros antigos, sabemos bem – é de onde nasceu essa expressão. Afinal, nossos queridos antigos clássicos possuem o assoalho de madeira e, quando queremos ir mais rápido, fazemos exatamente isso: metemos o “pé na tábua”, pressionando o acelerador até o assoalho!
Bem, estamos em 2014 e a maioria dos carros não possui mais o fundo de madeira, mas nós ainda continuamos colocando o pé na tábua de nossas adoradas máquinas. Pelo quarto ano consecutivo, veículos construídos até 1936 se reuniram na cidade de Franca, no interior de São Paulo, para fazer o mais inusitado e divertido evento de carros clássicos do Brasil – talvez de toda a América do Sul? Ou do Hemisfério Sul?
O que torna o evento único é o fato de não ser apenas uma exibição, nem apenas uma parada ou um simples encontro. É uma corrida – a Corrida de Calhambeques Pé na Tábua – disputada em um verdadeiro autódromo, entre verdadeiros carros antigos. Competem diferentes categorias:
· Ford Modelo A, a que tem o maior número de participantes;
· Speed, para carros de corrida com preparação original da época;
· Transplantados, para hot rods;
· Motocicletas, para aqueles em duas rodas;
· Miscelânea, para outros carros construídos até 1936: Ford Modelo T, Ford Modelo B, Chevrolet, Buick, DeSoto, e por aí vai.
Cada categoria tem suas atrações e seus fãs. Entre os corredores da categoria Speed, temos Nelson Piquet, o tricampeão mundial de Fórmula 1. Seu filho compete na categoria Transplantados. Entretanto, a maior diversão talvez não esteja entre os pilotos profissionais, mas com os amadores que esperam o ano inteiro pela oportunidade de entrar na pista. E nós estávamos entre estes, com certeza!
Nosso carro é um Ford Modelo A Tudor de 1931. É um carro de passeio, não apenas de exposições, e tão original quanto possível – temos restituído a sua originalidade desde que o compramos, em 2012. Bem, não somos pilotos profissionais; foi a primeira vez que fomos a um autódromo como competidores em vez de espectadores. E, acreditem, foi um fim de semana incrível!
Na manhã de sábado, assim que o sol saiu, chegamos ao autódromo. Hora de adesivar o carro. Iríamos competir com o número 31, escolhido por ser esse o ano de nosso Fordinho. Adesivos colocados, hora de assumir nossa posição nos boxes. Nesse momento, surge um problema: não conseguimos dar a partida no carro. Mas é apenas um pequeno contratempo que nos mostra o quão amigável é o clima por lá: somos cercados por gente querendo ajudar e pronto! Motor funcionando, fomos para os boxes excitados pela atmosfera de todos aqueles belos carros e, mais que isso, excitados por fazer parte do evento.
Logo a pista é aberta e vamos para nossa volta de reconhecimento. Não importa se a intenção era uma primeira volta lenta e conservadora; ficamos realmente entusiasmados e, quando nos demos conta, ainda na primeira curva, o pensamento era “entramos rápido demais!” Mas nosso Fordinho se comportou bravamente. A cada curva, íamos ficando mais confiantes e o carro ia mais rápido. Pé na tábua! Assim o dia foi dedicado aos treinos livres e classificatórios, com algum tempo livre que aproveitamos para circular, ver os outros carros e conversar com os colegas competidores – muitos deles usando, como nós, o tradicional gorro de couro. Lá estava a Família Gabarra, com três gerações de competidores. Lá estava Ronaldo Topete, que conquistou a pole position da categoria Speed, batendo Nelson Piquet, e quase derrotando o tricampeão na corrida. E lá estava também o entusiasmo de Tiago Songa, organizador do evento, sacudindo a bandeira quadriculada ao final de cada corrida.
E domingo foi o grande dia. É difícil descrever o que sentimos enquanto tomávamos nosso lugar no grid de largada. Estávamos prestes a pilotar nosso Fordinho de 1931 numa corrida de verdade! Medo, felicidade, coragem, tudo misturado. Motores ligados! Os primeiros metros já nos mostraram a emoção que estava por vir. Para sermos sinceros, devemos dizer que não fizemos uma grande largada. Mas logo recuperamos nossa posição ao fazermos uma bela ultrapassagem na segunda curva. E seguimos, cantando pneus, corrida afora! Durou apenas cerca de 10 minutos, mas foram minutos inesquecíveis.
Assim como foram inesquecíveis as pessoas que conhecemos. Depois de nossa corrida, tivemos tempo para interagir e assistir às demais categorias. E o evento não se resumiu apenas às corridas de velocidade. Havia também a categoria de Marcha Lenta, uma tradicional competição em que o vencedor é o competidor mais lento. Nessa categoria, o piloto caminha ao lado do carro, controlando sua velocidade pelo “bigode” – o objetivo é ir tão devagar quanto possível sem deixar o carro morrer.
Ao final do dia, tristes, percebemos que já era hora de voltar para casa. Não é fácil pensar que teremos de esperar todo um ano pela próxima edição. Mas, por outro lado, isso significa que teremos tempo de preparar nosso carro – alguma restauração adicional, algum treino e... 2015, aí vamos nós, pé na tábua!

Originalmente publicado em inglês em: TRINDADE, E.D.; TEIXEIRA, R.C. Behind the wheel: Brazilian jalopy racing. The Restorer, v. 59, n. 1, Maio/Jun., p. 28-30, 2014.