quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A síndrome da mesa para uma pessoa

Meu maior medo é almoçar sozinho, jantar sozinho e me esforçar em me manter ocupado para não provocar compaixão dos garçons.
Fabrício Carpinejar

Muito já foi escrito sobre viajar sozinho. Sabe-se que tem vantagens e desvantagens. Entre as primeiras, a possibilidade de estar livre para fazer seus próprios planos, sem interferências (afinal, encontrar alguém que queira exatamente o mesmo que nós é possível, mas raro). Entre as desvantagens, o risco de não ter com quem conversar, não ter alguém para contar histórias e trocar impressões. Há quem drible esse risco se hospedando em albergues com quartos coletivos - não é a mesma coisa, mas existe a possibilidade de conhecer gente de outros lugares e com outras vivências, o que pode facilmente se tornar a parte mais gratificante de toda a viagem.
No final, dá-se um jeito e as coisas acabam se compensando umas às outras, às vezes com vantagens. Existe, porém, uma questão crítica com a qual é difícil se acostumar: poucos viajantes solitários escapam incólumes à síndrome da mesa para uma pessoa.
Chega uma hora em que a fome aperta e, seja almoço ou jantar, entra-se num restaurante. Fica-se sem ter com quem dividir este momento, a não ser o garçom, para quem pedimos uma mesa para uma pessoa. Passa-se pelas formalidades - a escolha do menu, a aceitação conformada de que a refeição será possivelmente mais cara ou menos variada do que se estivéssemos acompanhados. Mas viajar sozinho tende mesmo a ser mais caro, já sabemos disso. Então vêm os sintomas da crise: o viajante solitário está ali, mais sozinho do que nunca, esperando seu prato numa mesa em que não há ninguém a não ser ele próprio, num restaurante que, como todos os restaurantes, é um local de confraternização, onde à sua volta as pessoas não só comem como conversam, riem, fazem barulho, celebram datas, fecham negócios, propõem casamentos. É claro que o prato do viajante solitário, nessa ocasião, demora mais que o usual. Ele olha para os lados, para o alto, finge naturalidade. Lê o cardápio, os guardanapos, a parede. Amaldiçoa a bateria do celular que acabou justamente agora ou a conexão wi-fi que insiste em não funcionar. Lança olhares suplicantes a um garçom que, vindo com uma travessa fumegante, passa sem reparar nele. Pensa na vida, na família, na namorada, escreve mentalmente uma carta que nunca vai mandar. Suspira. Boceja. Está em uma linda ilha tropical com cacatuas e coqueiros ao seu redor... Tocam o seu ombro. É o garçom! O viajante solitário acorda, seu pedido chegou.
À sua volta, pessoas brigam, fazem as pazes, contam piadas, trocam presentes. Ele olha para o próprio prato, entretém-se com a salada, brinca com o molho. Por trás da comida, esconde-se do mundo. Na próxima vez, escolherei uma mesa mais no canto, pensa.
Nunca pensa em convidar outra pessoa. Ele se chama o viajante solitário e, no jantar seguinte, outra crise o espera.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Circo de Inverno, Paris

Ah, o circo. Le Cirque d'Hiver. Esse foi uma inesperada surpresa. Eu havia visto os cartazes pela rua anunciando o espetáculo, mas não reparara muito, não chamaram a minha atenção. Outra coisa foi quando, caminhando, topamos com o circo ao vivo, em cores, tijolo e madeira. Estou falando de uma construção grande e linda, num estilo que só pode ser tão eclético quanto o próprio circo. Em Paris, o Circo de Inverno não é uma lona debaixo da qual os artistas se apresentam; é algo que eu não conhecia, um prédio redondo que, na melhor das comparações, lembra a mistura (ou evolução) de um circo tradicional com um charmoso teatro.
Atraídos, passamos pela porta e o ambiente interno acabou de nos conquistar. A bilheteria anunciava ingressos a partir de 10 euros para dali a 10 minutos. Compramos, contagiados por uma excitação infantil.
Sobe-se escadas, tal como num grande teatro. Lá em cima, espantado diante da grandiosidade de tudo, quase exclamei que a vista era bastante boa para ser o lugar mais barato da plateia. Então uma mulher vestida de paquita se apresentou para levar aos nossos verdadeiros lugares, marcados: literalmente as duas cadeiras mais escondidas, ainda mais no alto do que onde estávamos e ao lado de uma espécie de tapume. Mas a paquita disse (ou foi o que entendemos) que poderíamos mudar de lugar depois de começado o espetáculo, e assim fizemos, já que nem todas as cadeiras estavam ocupadas. Lugares confortáveis e bem frontais, embora longe da primeira fila.
O que tinha suas vantagens, pois nos deixava a salvo das brincadeiras dos palhaços. De quebra, bem divertidas - gosto de palhaços. Fazia anos que não ia a um circo e esse me encantou. Não só pela grandiosidade do ambiente. A banda tocava em sintonia com as atrações: tigres, gatos, cavalos e pombos; trapezistas (e meu coração que pulava da boca, eu que tenho certo medo de altura); o mágico; malabaristas, amazonas, dançarinas. Tudo a que se tem direito, inclusive um pequeno intervalo: o espetáculo era em dois atos, lá pelas tantas eu não sabia se estava num circo ou num teatro.
Tão diferente dos circos itinerantes de lona, e tão nostalgicamente parecido. Fiquei paralisado por uns instantes quando terminou a última apresentação. Mas paralisado com um sorriso no rosto: tinha descoberto que sim, ainda se faz circo como antigamente.

domingo, 13 de novembro de 2011

Eu sempre amei Paris

E não sabia.
Ao contrário de outras pessoas, nunca tive Paris como sonho de consumo. Não era minha prioridade, a cidade que eu queria conhecer a todo custo. Antes sonhava com outros lugares no Brasil, na Europa e em terras exóticas.
Apesar disso, Paris me conquistou, em grande parte por ser quase exatamente como eu pensava ou, dizendo melhor, como eu fantasiava que fosse. Sim, porque, sendo uma das cidades mais presentes nos cenários de cinema e nas páginas dos livros, todos nós acabamos imaginando Paris de alguma maneira.
E calhou de eu imaginar uma Paris bem parecida com a que encontrei de verdade. Digo isso no sentido de que me surpreendi com a facilidade com que percorri suas ruas e com a facilidade com que me senti em casa, apesar de falar muito pouco francês. E a forma divertida com que encontrei, a cada esquina, exatamente o tipo de prédio que, com certa ingenuidade, esperava encontrar - milhões de livrarias, outros tantos de cafés e pequenos restaurantes. Verdade que também há as onipresentes lojas de quinquilharias e as multidões de turistas ávidos por elas, mas em compensação há ruas silenciosas, mercados com frutas na calçada e até lojas de artigos náuticos - França, Meca dos velejadores.
Lutécia, a cidade mais prodigiosa do mundo, como dizia Asterix. Isso inclui dizer que não é o lugar mais limpo nem o mais educado, mas deve ser, em compensação, um dos mais vivos. Gosto de imaginar os franceses um tanto cheios de orgulho pela sua língua, suas empresas, seus carros, seus esportistas e artistas. Soa meio preconceituoso da minha parte, talvez, mas sei que não posso generalizar essa imagem e, ainda que eu insista nela, reconhecer um orgulho desse tipo é motivo de sorriso e simpatia para um gaúcho como eu.
Tem mais. Paris tem as árvores coloridas de outono, as pontes para se caminhar de mãos dadas, a proposta que eu mal sabia para uma perfeita lua-de-mel. Mal sabia: imaginava, mas não acreditava.
E não importa se ainda falta muito da cidade para ver e viver ou se algo dela ficar para trás. Acontece que nós sempre teremos Paris.