sábado, 2 de abril de 2011

Susto e recompensa


Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa












Logo cedo, conforme planejado, fiz o reparo do leme. Tudo pronto, hora de levantar âncora da Vila do Abraão. Rumamos para noroeste, com a intenção de explorar um pouco das famosas ilhas da baía - iríamos até as ilhas Botinas e talvez, dependendo do tempo, até a ilha da Gipoia. A velejada começou tranquila, avançávamos ajudados por um vento de popa. Bem, uma das coisas que aprendi é que as coisas mudam, e isto é particularmente verdade quando se trata de condições do tempo. Aos poucos, o vento foi aumentando e o mar foi ficando mais agitado - nada que nos assustasse, mas sim que exigia atenção e cuidados redobrados. Rizamos (diminuímos) as velas e seguimos em frente. Então aconteceu: subitamente o barco começou a responder de forma estranha... Um dos lemes não respondia! De alguma maneira, o conserto não havia dado certo. Tensão! Após uma rápida avaliação da situação, concluí que não havia o que fazer a não ser usar todos os meios possíveis para chegar ao primeiro porto disponível. No caso, acabou sendo a marina Portogalo, aonde chegamos assustados e cansados, mas em segurança. Na contabilidade dos prejuízos, além do leme quebrado, problemas na costura da buja (vela da proa), que se soltara enquanto tentávamos controlar o barco. O lado bom é que estávamos no continente, numa marina com estrutura muito melhor que a de qualquer ponto da ilha. Procurei a oficina da marina, providenciei novo conserto (desta vez com material mais reforçado) e preparamos o Pandorga para pernoitar ali - não sem antes uma boa ducha e um esperado jantar.
O dia seguinte amanheceu com tempo bom, mas havia uma decisão difícil a ser tomada. A princípio, não se havia perdido muita coisa, basicamente foram danos materiais já reparados, mas havia sim sido perdido algo importante: a nossa confiança no barco para fazer uma travessia como a planejada. E então? Optamos por uma leve mudança ns planos: não iríamos mais até as ilhas Botinas, em vez disso rumaríamos para a Lagoa Azul, que ficava mais perto, e iríamos aos poucos testando o barco para garantir que ele não nos traria mais surpresas. Dito e feito. A tal Lagoa Azul não é uma lagoa, mas uma enseada de águas rasas e claras excelente para snorkelling. Não por acaso, é o ponto alto da maioria dos passeios turísticos que saem do Abraão. Quanto a nós, fomos até lá sem mais contratempos e tivemos recompensada a insistência. Que pedaço de mar encantador! Seria um crime fazer uma viagem como a nossa e não passar por lá.
Otimismo renovado... Seguimos em frente. Próxima parada: Saco do Céu, uma das enseadas mais protegidas de toda a ilha, o que faz com que seja também um concorrido ponto de pernoite de embarcações. Na ida até lá, pegamos um vento razoável pela proa e o Pandorga se comportou bem, o que fez aumentar novamente a confiança nele. A chegada no Saco do Céu foi das melhores possíveis: paisagem linda (como em toda a ilha), águas calmíssimas (perfeitas para o pernoite do barco) e um restaurante com um cais que foi a primeira coisa que procuramos, porque nossos estômagos àquela hora estavam ansiosos por uma boa refeição! Após, ainda tivemos tempo para aproveitar e descansar. Mais mergulhos, mais conversas, mais observação do que tínhamos à volta. Como havia tempo (e não havia tevê por perto), chegamos até a arriscar umas divertidas partidas de gamão. Sim, gamão! O Pandorga é o único veleiro que conheço que já foi palco de partidas de gamão na Ilha Grande... Enfim, nosso humor estava de volta e ansioso por mais.